domingo, 31 de julho de 2011

Prebisch e o continente

Foi também no ano da crise que chegou às livrarias dos EUA e do Canadá a biografia de Raúl Prebisch (1901-1986), o economista argentino que, para muitos, é o "Keynes latino-americano". Escrita por Edgar Dosman, da Universidade de York, no Canadá, "Raúl Prebisch: a Construção da América Latina e do Terceiro Mundo" tem publicação prevista no Brasil para o dia 15, em parceria do Centro Internacional Celso Furtado (CICF) com a editora Contraponto.
"O fim de 2008 foi o momento perfeito para sair o livro, porque assinala o começo de uma crise que pode vir a ser um colapso global", diz o autor. O lançamento permite resgatar a memória do pai da teoria estruturalista do desenvolvimento econômico. Prebisch, segundo Dosman, foi o primeiro economista a estender a teoria ao mundo em desenvolvimento e a enxergar a América Latina como uma entidade à parte. A tradução prática de seu pensamento foi a liderança da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) e da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento). Grandes economistas brasileiros, como Celso Furtado (1920-2004) e Maria da Conceição Tavares, beberam na fonte de Prebisch.
O caos econômico dos anos 1930 desnudou, para o economista, a fraqueza da teoria hegemônica de comércio internacional
"Acredito que sei o que Prebisch recomendaria para o Brasil neste momento de boom de commodities e risco de desindustrialização", diz Dosman. Ao contrário do que se possa imaginar de um economista que preconizou o protecionismo e intervenção estatal para industrializar países periféricos, substituindo importações de manufaturados por produção local, Prebisch apoiava um setor primário forte. A explosão de commodities pode ser usada a favor do Brasil, se o país não se descuidar de ampliar as condições de produzir com alto valor agregado.
"Uma das vantagens da idade é ter acompanhado o ir e vir dos ciclos econômicos", comenta o autor. O próprio Prebisch presenciou uma alta acentuada de preços de produtos agrários na década de 20. "Levando em consideração as mudanças de humor do mercado de commodities, a pergunta passa a ser: o que é preciso fazer para se manter como potência industrial?"
Para Dosman, que vem ao Brasil no mês que vem para uma série de seminários organizados pelo CICF, Prebisch diria aos governos latino-americanos que encarassem o boom das commodities como temporário. A recomendação seria administrar a situação para evitar a "doença holandesa", ou seja, desindustrialização por dependência de um único produto exportado. "Não se pode esquecer que os países só têm sucesso se contarem com uma infraestrutura física, intelectual e produtiva que garanta o desenvolvimento de longo prazo", alerta Dosman.
Como Keynes, Prebisch desenvolveu suas teorias a partir da experiência traumática da Grande Depressão, que atingiu a economia argentina com uma violência particularmente atroz. O país era, até então, um dos mais prósperos do mundo, com sua economia assentada sobre a exportação de carne bovina e trigo para a Europa. A implosão do comércio mundial carregou consigo o país platino, que atravessou o violento período conhecido como "década infame".
Fabiano Cerchiari/Valor

Para Simão Davi Silber, da USP, a tese de Prebisch é falha porque se baseia no pior período da história do comércio internacional


Prebisch, nascido em Tucumán, filho de um imigrante alemão com uma descendente de aristocratas coloniais, era então um economista ortodoxo e diretor-geral do Banco Central de seu país, que também fundou. Atravessou no BC, onde trabalhou de 1930 a 1945, períodos turbulentos da crise e presenciou a ascensão do populismo de Juan Domingo Perón (1895-1974), que se tornaria seu desafeto. A magnitude do caos econômico dos anos 1930 desnudou, aos olhos do economista, as fraquezas práticas da teoria hegemônica de comércio internacional, fundada sobre o conceito de vantagens comparativas de David Ricardo (1772-1823). Para o economista inglês, os países devem se especializar na produção daquilo em que têm maior eficiência, para ampliar o comércio e gerar maior riqueza.
Uma das razões encontradas por Prebisch para explicar que os benefícios da vantagem comparativa não fossem repassados aos países periféricos, segundo o economista Nelson Marconi, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e organizador do seminário paulistano sobre o argentino, foi a escassez de mão de obra nas sociedades industriais. Em consequência, os salários eram mais altos, porque os empresários tinham de investir em qualificação dos operários. "A vantagem comparativa chegava ao bolso do operário europeu, mas não ao camponês latino-americano", diz Marconi. Na crise, Prebisch observou que os preços do trigo e da carne argentinos despencaram com violência maior do que os de manufaturados. Os resultados foram divulgados na ONU (Organização das Nações Unidas) em 1949, com o texto "O Desenvolvimento Econômico da América Latina e Alguns de Seus Principais Problemas". Ao mesmo tempo, o economista alemão Hans Singer (1910-2006) chegava a conclusões semelhantes, de tal maneira que a teoria ficou conhecida como tese Prebisch-Singer.
O rebento da observação de Prebisch seria a teoria estruturalista do desenvolvimento econômico, que marca a ruptura do argentino com a ortodoxia. "O desenvolvimentismo da Cepal foi uma teoria muito importante para sua época", assinala o economista da FGV Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda. "Foi a base de todo o desenvolvimento no Brasil, no México, no Chile e, em menor escala, na Argentina." Ironicamente, no país de Perón, Prebisch era persona non grata. Seus dois breves retornos à terra natal, como conselheiro dos presidentes Pedro Aramburu, em 1955, e Raúl Alfonsín, em 1983, foram desastrosos. "Ninguém queria escutar seus conselhos. Ele era associado ao 'antigo regime', período em que presidiu o Banco Central", diz Dosman.
"A vantagem comparativa nessa relação de comércio chegava ao bolso do operário europeu, mas não ao camponês latino-americano"
O ostracismo de Prebisch contrasta com o renome de que goza o outro grande economista heterodoxo do continente, o brasileiro Celso Furtado. O autor do monumental "Formação Econômica do Brasil" foi um prolífico colaborador de Prebisch na Cepal, além de amigo do argentino. "Prebisch deu o pontapé inicial", segundo Marconi. "Furtado ampliou a teoria e introduziu a questão da desigualdade de renda, que faltava."
Quando se conheceram, no Chile, o brasileiro era um jovem economista promissor. Prebisch, segundo Dosman, logo reconheceu nele um colega brilhante. "Era uma admiração mútua. Prebisch admirava a integridade pessoal de Furtado." A colaboração durou décadas, mas houve discordâncias, que chegaram a um breve rompimento em 1957. "Ambos tinham vontades fortes... eram 'machos alfa'", brinca o biógrafo.
Uma explicação para os destinos divergentes reside no acesso aos textos de ambos. Enquanto Furtado legou uma bibliografia ainda amplamente estudada, Prebisch escreveu apenas profissionalmente. Como diz seu biógrafo, "ele assinava como chefe de pesquisas, na Cepal e na Unctad. Seus textos individuais, para apresentação na ONU, ficaram indisponíveis". O projeto de publicar os manuscritos e correspondências do economista argentino avança lentamente.
"O estruturalismo entende que o processo de desenvolvimento implica uma mudança estrutural na composição da produção", diz Marconi. A necessidade de industrializar, ponto fundamental das ideias de Prebisch, é parte de um estímulo generalizado à demanda, por intervenção estatal ou investimento externo, à medida que uma economia deixa de ser primária. No horizonte situa-se um "ponto de maturidade", com consumo de massa e uma demanda de perfil mais sofisticado, em que a população exige serviços públicos, educação, saúde, lazer.
Luis Ushirobira/Valor

O ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira defende um desenvolvimentismo inspirado nas ideias de economistas como Raúl Prebisch


Segundo Bresser-Pereira, o desenvolvimentismo de Prebisch, Furtado e outros autores tem o mérito de reconhecer na economia um pensamento social e, portanto, histórico, em oposição à teoria neoclássica, que se pretende a-histórica. À exceção do pioneiro Reino Unido, aponta Bresser-Pereira, "todos os países que se industrializaram no século XIX protegeram a produção local": França, EUA, Alemanha, Japão.
Ao fim da Grande Depressão dos anos 1930, os governos latino-americanos tomaram interesse pelas teses da Cepal, que prometiam desenvolvimento e proteção contra novas recessões. A substituição de importações, ponto inaugural da doutrina, foi buscada no Brasil, no México, no Chile e em outros países. Nas décadas seguintes, o crescimento do continente foi um dos mais fortes do mundo e a estrutura econômica e social na região foi radicalmente transformada. As cidades cresceram com as fábricas. Mas ao fim da década de 1970, o quadro era outro: inflação, estagnação, crises políticas e ditaduras.
O desenvolvimentismo e as teses da Cepal foram relegadas a um plano secundário a partir da década seguinte, quando as teorias neoclássicas voltaram ao centro dos debates e o Consenso de Washington tomou forma. O próprio Raúl Prebisch foi esquecido e esquecido morreu, no Chile, em 1986. "A hipótese de Prebisch e Singer era muito ruim. Ela se baseava em dados apenas do período mais terrível da história do mercado mundial, que foi a Grande Depressão", argumenta o economista Simão Davi Silber, da Universidade de São Paulo (USP). Segundo Silber, as pesquisas empíricas revelam o oposto daquilo que diagnosticou o economista argentino: quem exporta commodities está em situação melhor do que o exportador de produtos industriais. "A história não corrobora a hipótese. A melhor maneira de verificá-lo é comparar o desempenho da América Latina com o Sudeste Asiático, onde a substituição de importações foi abandonada tão logo perceberam o erro."
O confronto entre latino-americanos e asiáticos em matéria de desenvolvimento também atrai os defensores do estruturalismo. Bresser-Pereira lembra que a substituição de importações é uma "pequena fase inicial de industrialização", cujo substrato é, nas palavras de Nelson Marconi, "um forte investimento na qualificação da mão de obra", com vista a galgar as etapas de desenvolvimento e reestruturar o sistema econômico. Um erro do Brasil, lamenta Marconi, foi não investir no capital humano. O modelo de industrialização que importou a matriz tecnológica foi concentrador de renda e não colaborou para atingir fases mais avançadas de desenvolvimento.
Agência Estado

Raúl Prebisch


"A substituição de importações funcionou bem até os anos 1960", diz Bresser-Pereira. "Os asiáticos começaram assim e saíram rápido." Embora não se baseassem no pensamento de Raúl Prebisch, os economistas e burocratas daquele continente são pragmáticos, segundo Bresser-Pereira, e "olham para como a economia funciona de verdade". Países como a China e a Índia são encarados como exemplos de sucesso de políticas desenvolvimentistas.
Bresser-Pereira conclui que o erro latino-americano foi demorar a sair da etapa de substituição de importações. As raízes dessa demora podem ser políticas, já que as massas recém-incorporadas à economia urbana e industrial se tornaram um eleitorado atraente para os líderes do continente. "Por trás das ideias de Prebisch está um ativismo governamental pronunciado, daí o fato de ter caído no gosto do nacional-desenvolvimentismo latino-americano", afirma Simão Silber, ressaltando o caráter estatista da teoria heterodoxa da Cepal.
O renascimento do interesse pelo keynesianismo e por teorias centradas no desenvolvimento, a partir da crise de 2008, se faz acompanhar de um olhar mais benevolente para a atuação do Estado. "A estratégia do novo desenvolvimentismo é crescer com estabilidade, mas defendendo um Estado mais participativo", diz Bresser-Pereira. Nesse modelo, o Estado deixa de ser produtor, dono de empresas, e se torna indutor de investimentos privados. "O estágio de desenvolvimento é outro. Não precisamos mais fazer a revolução industrial e capitalista", diz. "Já existe uma classe de empresários capazes de investir."
Marconi lamenta que o Brasil tenha passado tantas décadas investindo na modernização da estrutura sem modernizar também a formação da mão de obra. "Só agora esse problema está sendo atacado no Brasil." O desenvolvimentismo de hoje, segundo Marconi, é a corrente que chama a atenção para a necessidade de agregar valor à produção, seja no setor industrial ou nos serviços mais dinâmicos.


Fonte: Valor - Eu & Fim de semana.

sábado, 16 de julho de 2011

Caminho das pedras para ingresso no doutorado*

Como estamos em período onde vários editais de seleção ao doutorado em economia estão abertos (e também mestrado via Anpec), postamos a seguir algumas dicas que podem ajudar no seu processo seletivo e evitar frustrações.

Para seleção ao mestrado, as formas de seleção são mais comuns. Prevalece a seleção via prova da Anpec, mas alguns centros ainda têm a seleção interna, que geralmente passa por prova e análise do currículo e do histórico escolar e, em alguns casos, do projeto de pesquisa. Outra coisa é que a grade curricular geral entre os centros costuma ser mais homogênea do que no doutorado, então não tem tanto mistério na hora de escolher um centro.

No caso do doutorado, outras variáveis entram na equação de seleção.

1. Um ponto inicial que o candidato deve observar com atenção é em relação às correntes (econômicas) que prevalecem em cada centro. Pode ser muito bom ver seu nome na lista de aprovação de um centro renomado, mas pode ser frustrante se a corrente predominante no centro ir de encontro ao que você tem em mente (sentirá isso logo nas disciplinas). No economês, atentar se o centro é ortodoxo demais para suas pretensões mais heterodoxas, e vice-versa.

2. Mapeando os centros de seu grado em termos do que foi tratado anteriormente, é fundamental observar o quadro de docentes e suas especialidades. Dependendo da especificidade de seu projeto de pesquisa, pode ter dificuldade em termos de orientação, mesmo o programa oferecendo as disciplinas que você pretende cursar.

3. Sobre a forma de seleção, alguns programas fazem uso de todos os instrumentos: provas, análise de currículo e histórico, entrevista e análise do projeto de pesquisa. Outros processos seletivos dispensam as provas, outros dispensam entrevistas... Enfim, os critérios são mais diversificados que no mestrado, o que exige mais do candidato que resolva aplicar para mais de um centro. Consulte os centros no site da Anpec.

4. Alguns candidatos se perguntam qual o motivo de seu ótimo projeto não ter sido aceito, mesmo estando dentro das linhas de pesquisa disponíveis no programa (isso desanima qualquer um!). Em conversa com alguns professores, a explicação disso é que mesmo sendo um bom projeto e com pouca concorrência para a linha de pesquisa que foi submetido, a aceitação do mesmo depende da disponibilidade de professor para orientar. Explicando melhor: há professor no quadro para lhe orientar, porém o mesmo pode estar atarefado com outras coisas e não aprova o projeto por indisponibilidade de espaço na agenda para orientação. Geralmente professor que está coordenando vários projetos ao mesmo tempo; professor cedido para algum órgão fora da universidade ou que tem suas agendas de aula e pesquisa divididas com a direção da SEP, Anpec etc. Assim, é interessante tentar verificar se o seu provável orientador está com disponibilidade. Esse ponto não é tão importante, mas ajuda a explicar o motivo de um bom projeto ser recusado.

5. Por fim, algumas ações estratégicas. i) Procure mapear e inserir no seu projeto algumas bibliografias dos professores do centro de seu interesse, nada forçado (por favor!), apenas se tiver relevância para o projeto (isso será natural, caso você esteja interado das produções em sua área de interesse). ii) Submeter o mesmo projeto para vários centros diminui o trabalho do candidato, mas recomenda-se fazer pequenas alterações para deixar o projeto mais compatível com cada centro, mas essas pequenas alterações não devem interferir da ideia central do projeto. iii) Antes de submeter o projeto, solicite a um amigo da área ou professor fazer uma leitura crítica do mesmo. Correções e sugestões de bibliografias podem surgir. iv) Nos centros onde há aplicação de provas na seleção, procure conseguir as provas anteriores, isso lhe dará uma ideia do tipo de questão que é aplicada.

Se você tem outras dicas, compartilhe conosco no campo de comentários.

Confira no EconDados  os programas com editais abertos e ferramentas interessantes.

Boa sorte!

(*) Focado em Economia, mas as dicas mais genéricas podem ser de utilidade para qualquer área.

sábado, 9 de julho de 2011

O orgulho de fabricar

Por Diego Viana

O economista americano Werner Baer desembarcou no Rio pela primeira vez em meados da década de 1960, para realizar pesquisas na Fundação Getúlio Vargas. Nascido na Alemanha e criado em Nova York, o economista considera-se, desde então, "carioca, pelo menos em parte". Brasilianista, titular da cadeira Jorge Paulo Lemann da Universidade de Illinois e ex-professor do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, Baer tornou-se um dos principais especialistas acadêmicos em economia brasileira, autor de uma obra intitulada, bem a propósito, "A Economia Brasileira", que chegou em 2008 à sua sexta edição.
O livro, enriquecido com copiosas estatísticas e tabelas históricas, aprofunda o tema da industrialização do país, da era Vargas à redemocratização, analisa a crise da dívida dos anos 80 e se estende pelo período que recebeu o nome de "neoliberal", inaugurado na era Fernando Collor e posto em questão no governo Lula. A nova fase da economia brasileira, a ser incorporada às próximas edições da obra, segue em aberto. "Vejo uma possibilidade de desindustrialização, por causa da valorização do câmbio. Será que esse é um perigo verdadeiro? É uma situação temporária? É uma tendência de longo prazo?", alerta o economista. Baer preconiza um olhar sobre as tendências para o país que ultrapasse as fronteiras da economia e enverede pela história, a política nacional e a geopolítica.
O economista ilustra seu pensamento lembrando que a década de 1960 foi o coração do período de industrialização acelerada no país. "Um elemento que não coloquei no livro, mas chamou minha atenção, era o orgulho visível da população com a indústria que crescia", relata. "Os brasileiros diziam: 'Está vendo aquele caminhão Mercedes? Fomos nós que o fizemos. Não o importamos. Fabricamos aqui'." Para Baer, o elemento psicológico manifestado nesse orgulho é fundamental. "É o orgulho de não ser simplesmente um povo que colhe café e corta cana-de-açúcar. O povo se reconhece capaz de produzir uma coisa sofisticada." Esse orgulho não feneceu, mesmo com tudo que se passou na economia brasileira desde aquela época. "Da minha cidade, Champagne, o serviço aéreo até Chicago é feito inteiramente com aviões da Embraer. Os brasileiros que trabalham lá também se orgulham de dizer: 'Este é nosso avião'."
O fator psicológico se mistura com as projeções geopolíticas para definir a dimensão do risco da valorização cambial. Se for confirmada uma tendência à desindustrialização, pergunta Baer, "qual vai ser a relação do Brasil com os países avançados tradicionais? E qual é o papel do novo centro, ou seja, da China"? Ele evoca a teoria da dependência, desenvolvida pelos economistas da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), como o argentino Raúl Prebisch e o brasileiro Celso Furtado, para ilustrar como a história se repete, ainda que sob outra forma. "A relação centro-periferia está se repetindo na África. Os chineses investem lá para extrair matérias-primas para a indústria. Se há uma desindustrialização e o Brasil voltar a ser dependente de exportações de matérias-primas, será que o país está retrocedendo?"
A mensagem de alerta do economista ao país que estuda pode ser entendida como um antídoto para a euforia em relação a seu próprio futuro de curto prazo. Baer cita o célebre título do autor austríaco Stefan Zweig: "Brasil, País do Futuro", um futuro que muitos brasileiros acreditam já ter chegado. O brasilianista discorda: "Está próximo, bastante próximo, mas ainda não chegou".
Contra a euforia, Baer oferece provocações: a desindustrialização é uma ameaça que paira, a taxa de investimento é muito baixa para um país que pretende crescer, os gastos públicos não são eficientes e os investimentos, em particular o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), avançam com lentidão exasperante.
Mas a crítica mais forte recai sobre a relação que o país mantém com a educação e a pesquisa. "Um dos motivos para a morosidade do investimento no Brasil é a baixa qualidade da formação, principalmente de engenheiros. O sistema educacional ainda não está aproveitando as riquezas humanas que existem aqui." Talvez como consequência do sistema de ensino deficitário, o poder de inovar e criar novos produtos é limitado, já que "muitas empresas brasileiras não fazem bastante esforço de pesquisa. Não querem empregar um químico, por exemplo, que passa anos no laboratório antes de produzir algo lucrativo. Se precisam de tecnologia, preferem comprá-la pronta no exterior".
O legado de Werner Baer no Brasil vai muito além do livro que resume a economia do país. Ele participou da criação da Fipe-USP (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo) e deixou sua marca em instituições como IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Fundação Getúlio Vargas, Pontifícia Universidade Católica e Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas). Quando vem ao Brasil, instala-se no Rio, não mais na FGV da praia de Botafogo, mas na PUC, na Gávea, por afinidade teórica.
A proximidade acadêmica com o país lhe dá liberdade para as críticas mesmo ao Banco Central comandado pelo ex-aluno Alexandre Tombini, "um grande amigo e um economista excepcionalmente brilhante, muito competente". O problema está nas metas de inflação, que, para Baer, deixam de lado prioridades mais urgentes para o Brasil, como a redução da pobreza e da desigualdade. "O sistema de metas de inflação é simplista. Traz implícita a crença de que, se podemos alcançar uma sociedade em que a inflação desaparece, todos os outros problemas desaparecem também: a baixa taxa de investimento, a baixa taxa de poupança, a pobreza, a desigualdade... É como se tudo pudesse se resolver automaticamente se a inflação estiver abaixo de 6%."
A memória da hiperinflação é indicada como explicação para a ênfase no nível de preços e nos aumentos da taxa de juros. "Uma volta da inflação das décadas de 1970 e 1980 seria interpretada como um fracasso total da política econômica. Eu entendo o BC. A tarefa deles é eliminar qualquer ameaça à estabilidade da moeda e ao poder de compra. Mas como sou acadêmico, não membro do FMI (Fundo Monetário Internacional), nem do Banco Central, posso fazer críticas", argumenta Baer, rindo.
Outro ex-aluno célebre de Baer é o presidente do Equador, Rafael Correa, indicado como mais um representante da guinada para a esquerda na América Latina do início do século XXI, ao lado de Lula, Hugo Chávez, Evo Morales e José Mujica. Mas o rótulo sobre o ex-aluno parece injusto ao economista americano. "A maneira como a imprensa internacional tem apresentado Correa não é muito justa. Ele acredita no mercado! Estatizou algumas empresas-chave internacionais, porque se comportaram muito mal do ponto de vista do ambiente na Amazônia. Mas as empresas privadas vão muito bem no Equador, sobretudo as exportadoras. Correa respeita a propriedade privada, é um homem muito religioso."

Fonte: Valor - Eu & fim de semana.