sábado, 25 de junho de 2011

Empobrecimento intelectual no FMI


Alex Ribeiro
Um conjunto de documentos recém-publicados por uma auditoria independente ajuda a entender por que o Fundo Monetário Internacional (FMI) falhou na sua missão de alertar com antecedência para os desequilíbrios que levaram à recente crise mundial.
O problema não é apenas que o FMI defendeu políticas inadequadas, como a desregulamentação financeira indiscriminada e a abertura das contas de capitais a qualquer custo, mas principalmente a falta de capacidade para refletir sobre realidades econômicas que fogem do manual.
O chamado Escritório de Avaliação Independente (IEO, na sigla e inglês) analisou 6,5 mil trabalhos de pesquisa econômica publicados pelo FMI nos últimos dez anos, quando se acumulou boa parte dos problemas que levaram à crise.
Estudos se alinham a pensamento dominante no Fundo
Economistas de fora do organismo foram convidados a examinar a consistência dessa massa intelectual. Também foi feita uma pesquisa de opinião para saber como a qualidade e a utilidade dos trabalhos são avaliados pelos países-membros do FMI e para entender um pouco do processo de produção dentro do próprio corpo técnico do organismo.
O dado mais preocupante é que 62% dos economistas do Fundo afirmaram que se sentem pressionados a alinhar as conclusões de suas pesquisas econômicas ao pensamento dominante no FMI. Outros 31% dizem que "raramente" se sentem instados a moldar o pensamento do Fundo. Apenas 7% disseram que nunca se sentem pressionados.
É claro que um organismo como o FMI deve ter uma uniformidade mínima de pensamento para garantir coerência às suas ações. Mas a falta de autonomia intelectual empobrece a investigação econômica e dificulta identificar os riscos e perigos que a multidão não enxerga.
A pesquisa econômica é uma das atividades mais nobres dentro do FMI, consumindo cerca de US$ 100 milhões por ano, ou 10% do orçamento da casa. Relatórios como o Panorama Econômico Mundial são ferramentas muito poderosas para influenciar e mudar políticas adotadas em países-membros. O cardápio inclui também estudos feitos para os países e trabalhos de discussão, entre outros.
"Se os pesquisadores são frequentemente obrigados -- ou se sentem obrigados -- a aderir a certas noções preconcebidas, a pesquisa do Fundo será menos relevante para os formuladores de políticas públicas", afirma Paulo Nogueira Batista Júnior, diretor-executivo para o Brasil e outros oito países da região no FMI, esclarecendo falar em nome pessoal, e não do organismo.
Em janeiro deste ano, uma outra auditoria independente conduzida pelo próprio IOE havia detectado que a falta de arejamento no pensamento do FMI contribuiu para impedir que o organismo avisasse em alto e bom tom que o comportamento perigoso dos países avançados levaria a uma crise.
Nesse documento, o IEO disse que o corpo técnico do FMI sofre de uma mazela conhecida como "pensamento de grupo". Ou seja, os economistas da casa formam uma panelinha homogênea e preferem o conforto de repetir o pensamento médio dos colegas a desafiá-los com raciocínios originais e independentes.
Um terceiro documento divulgado há pouco menos de um mês, esse preparado por um grupo dentro do próprio FMI, mostra que falta diversidade entre o corpo técnico do organismo. Hoje, 60% dos cargos de chefia no Fundo são ocupados por profissionais de países anglo-saxões. Nada menos de 63% dos economistas obtiveram doutorado em universidades americanas. O FMI recruta seus novos quadros em apenas 15 universidades americanas, além de outras 35 no resto do mundo.
Não há dúvidas que o FMI emprega alguns dos cérebros mais competentes do mundo, formandos em universidades como Stanford, Harvard e Princeton. Boa parte das peças produzidas pelo FMI são consideradas de altíssima qualidade. Segundo a pesquisa de opinião feita pelo IEO, autoridades econômicas e acadêmicos de praticamente todos os países do mundo dizem ler com muita atenção o Panorama Econômico Mundial. Cerca de um terço dos trabalhos de discussão do FMI termina publicado em jornais acadêmicos.
Mas a avaliação geral é que falta objetividade científica. Entre as grandes economias emergentes, 57% consideram que as pesquisas são feitas para sustentar um conjunto pré-definido de prescrições, sem dar espaço para visões alternativas.
Poucas autoridades econômicas de países avançados, segundo a pesquisa do IEO, afirmam ter definido suas políticas com base na produção intelectual do FMI. Mas os documentos divulgados pelo organismo ainda são muito usados pelos países mais pobres, que não tem recursos para desenvolver a sua própria pesquisa.
O foco da auditoria é o FMI, mas suas conclusões servem de lição para instituições brasileiras que conduzem a sua própria pesquisa econômica, como o Banco Central. Não se trata de perder a unidade de pensamento numa instituição que deve se comunicar de forma muito clara. Mas num mundo que está repensando antigos conceitos econômicos, será fundamental arejar a produção intelectual.

Fonte: Valor.

domingo, 19 de junho de 2011

A voz e o silêncio: entrevista com Milton Nascimento

Ele caminha sem pressa pela calçada, mesmo se bastante atrasado para o almoço. Entra tranquilo no Nativo, restaurante de beira de praia na Barra da Tijuca, que frequenta costumeiramente. Ninguém faz alarde com sua presença, como é de praxe no Rio, cidade onde famosos correm no mesmo calçadão que todo mundo. Aproxima-se da reportagem e é cordial, mas não sorri. Vai até o balcão e escolhe uma salada de milho, alface, ervilha, bacon e molho Caesar. Finalmente acomoda-se na mesa que o aguarda no fundo e espera. Não puxa conversa fiada. Milton Nascimento parece confortável no silêncio.
É Paulo Lafayette, seu empresário há dois anos e trabalhando junto há 12, a lançar o primeiro anzol. Comete uma indiscrição proposital ao sugerir que timidez é commodity farta na mesa, referindo-se à confidência da repórter que acaba de conhecer. Milton reconhece a manipulação pela cumplicidade e abre um sorriso generoso - para imediatamente retornar à posição inicial. Busca os olhos apenas de quem conhece - "Paulinho", como chama Lafayette, ou a assessora de imprensa Ana Paula Romeiro. Se acontece de os dois assistentes estarem distraídos com celular, cardápio ou garçom, o músico joga os olhos para o mar. O vento é solar nesta segunda-feira, como na música de Márcio e Lô Borges, dois de seus mais inspirados amigos. Milton vai dizer que fez muitas de suas músicas olhando para aquele pedaço de oceano - mas isso só muito depois.
"Antes eu gostava só de cantar e tocar, mas não de compor. Cantava música dos outros. Até me convencerem que eu tinha que fazer também"
O momento ainda é de silêncio, tão denso que daria para cortar com faca amolada. O homem de "dreadlocks" é Milton Nascimento, não precisa provar nada para ninguém nem facilitar vida de jornalista. A dificuldade é que não dá para iniciar uma entrevista com um dos integrantes do "quarteto de ferro de vertentes masculinas" (ao lado de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque, como cravou recentemente a versão nacional da "Rolling Stones"), perguntando por que ele se chama "Bituca" ou por que usa dois relógios quase idênticos, com a mesma hora, no mesmo pulso. Uma resposta é para buscar no Google e a outra para fazer na despedida. Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça com quem soltou a voz nas estradas em 1967 e produziu uma explosão de surpresa e júbilo no Maracanãzinho, em tempos em que no Brasil não era aconselhável soltar a voz em lugar algum.
Neste momento, contudo, quem emocionou a multidão cantando "Travessia" está aqui ao lado, comendo ervilhas.
Hoje é dia de show de Paul McCartney, Milton vai, talvez queira contar ao inglês sobre o lixo ocidental, então é bom correr. A votação do Código Florestal está na cabeça de todos nestes dias, vamos de floresta:
- Conta do Acre? Como foi que você foi parar lá?
Ele faz que sim com a cabeça enquanto pede uma Coca Zero sem limão e picanha grelhada, ao ponto. Está rompido o silêncio. Lafayette vai de atum com crosta e Ana escolhe salmão na grelha. O fotógrafo Leo Pinheiro elege a mesma coisa de Milton, não tanto por ser fã inconteste e mais por estratégia para poder fotografar o prato sem incomodar ninguém. A repórter pensa em se fartar de pão e esquece de fazer o pedido.
Divulgação

Nos tempos do Clube da Esquina

- O negócio é o seguinte: antes eu gostava só de cantar e tocar, mas não de compor. Cantava música dos outros. Até me convencerem que eu tinha que fazer também. Falei: "Bom, vou fazer, mas só se tudo o que eu disser for verdade, a minha verdade. Se não for assim, pra mim não interessa".
O "antes" é amplo em se tratando de quem acaba de guardar os óculos escuros. Passa, por exemplo, pela mágica poderosa que parece tocar o velho Edifício Levy, no centro de Belo Horizonte, no fim de 1963. Por ali viviam, na mesma época, os 11 irmãos Borges, o maestro Wagner Tiso, Milton Nascimento com 20 anos de idade, Beto Guedes ainda mais menino e muitos outros, em um embrião do clube mais famoso da música brasileira. "Antes" também define o tempo de tocar violão e cantar, rabiscando músicas na casa da família Borges, que o adotou como o irmão número 12. Bituca era magro, caladão e histriônico, falava "bicho" à beça e trabalhava como um "datilógrafo danado de colosso", nas suas palavras, nas Centrais Elétricas de Furnas. O retrato dessa fase está no delicioso "Os Sonhos não Envelhecem - Histórias do Clube da Esquina", de Márcio Borges - o "Das Baixinhãns", segundo Bituca.
A transição entre a casa dos Borges e os bares e bailes de Belo Horizonte começa de forma assustadora. Wagner Tiso monta um trio e consegue espaço para tocar, mas Milton tem que assumir o contrabaixo, mesmo sem ter um e sem saber como tocar - e o maluco é que dá certo. O pano de fundo desse início são os filmes de Truffaut e Godard, as canções de Gilbert Bécaud e Nico Fidenco no rádio de pilha, e mais João Gilberto, Maysa, Glauber Rocha. E o Brasil conturbado, em sua faceta mais truculenta e dolorida, já totalmente submerso no regime militar.
"Tem uma coisa que falo de Três Pontas. Você conhece, vamos dizer, 20 músicos. Aí passa dois meses sem ir lá e, quando volta, tem 56 novos"
O "antes" também é a época da glória, do Clube da Esquina, de álbuns antológicos, da parceria com Fernando Brant, das canções que foram a trilha de uma geração. "Fé Cega, Faca Amolada" era o hino de estudantes em explosão de hormônios e rebeldia, "Cais" pedia momentos mais introspectivos. Tem quem prefira "Sentinela" e quem pense que "Paula e Bebeto" é a melhor tradução daqueles dias. "Um Girassol da Cor de Seu Cabelo" era a opção "hipponga" junto com as coisas que a gente esquecia de dizer de "Trem Azul". Vieram os shows com Mercedes Sosa e discos junto a Sarah Vaughan, para citar apenas uma das estrelas do jazz seduzidas pela voz do brasileiro. Milton Nascimento saltava de Três Pontas para o mundo todo. Até hoje tem um megafã-clube no Japão e outro na Noruega ("Não me pergunte como, não sei"). Até o dia de uma consagração especial: Milton havia sido convidado a fazer um show em Copenhague, na Dinamarca. Uma bela hora, foi espiar o cartaz. Estava lá: Miles Davis - jazz; fulano de tal - rock; outro sujeito - blues; Milton Nascimento - Milton. Tudo isso é só uma amostra do que era o "antes".
Agora, diante do prato de bolinhos de aipim, Milton inicia uma longa narrativa sobre a jornada de 18 dias que fez ao Acre, há mais de 20 anos. A aventura começou em São Paulo, quando conheceu alguns índios na casa de amigos. Lembra-se bem do dia em que alguns xavantes começaram a cantar para ele:
- Aquilo mexeu com a minha cabeça. Aí resolvi fazer um trabalho na Amazônia, com índios, seringueiros e ribeirinhos.
Reprodução

ao lado dos pais adotivos, Josino e Lília: qualquer maneira de amor vale a pena

Esse pé na estrada na Amazônia foi no fim dos 80, época em que praticamente ninguém falava dos povos da floresta - a não ser em episódios dramáticos como o do assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, quando holofotes de todo o mundo iluminaram a pequena Xapuri e o Brasil meio que acordou para os conflitos na floresta. Milton Nascimento, carreira no topo, decidiu subir o sinuoso Juruá, afluente do Solimões, em barquinho que enguiçava ou sentado longas horas em canoa. Depois, aventurou-se ainda mais, entrando no misterioso rio Amônia. Dormia no "hotel do Macedo", como ele chama o acampamento de madeira e cipó que o guia seringueiro montava nas paradas do grupo - Milton faz uma inflexão na voz toda vez que diz "hotel", como se a palavra ganhasse aspas orais.
- Vocês montavam a rede e dormiam na mata, com todos os barulhos?
- Isso, com todos os sons da floresta.
Era a década das campanhas heroicas. O irlandês Bob Geldof lutava contra a fome na Etiópia produzindo o Live Aid. O inglês Sting se juntou ao cacique caiapó Raoni na batalha contra Kararaô (Belo Monte é sua versão moderna). Quase 50 dos maiores músicos do mundo gravaram "We Are the World" para combater a fome na África. Milton mergulhava na Amazonia, buscando inspiração para suas canções e procurando uma aldeia de índios pouco conhecidos, os ashaninkas. Eles se vestem com roupas longas, fisicamente exibem traços andinos. "É um povo que parece inca", explica.
Milton confessa ser ruim de datas (aconselha a cada um de seus mais de cem afilhados que telefonem no dia anterior a seus aniversários, o informem da data, e ele garante o parabéns no dia certo), mas carrega as lembranças de quem era. Lembra vividamente do pernoite ao lado da casa de um ribeirinho, em noite de lua e estrela. Ou de quando a canoa finalmente se aproximou da aldeia Ashaninka e do menino que surgiu em cima do barranco.
- Ele viu nossas canoas e pulou no rio, nadou bonito pra caramba. Fiquei bobo. Chegou do outro lado, andou floresta adentro e desapareceu.
O menino era Benki ("Benke", na canção que Milton dedicou a ele), filho do cacique e hoje jovem pajé. Uma forte amizade começou ali entre os dois e segue até hoje.
Folhapress

O “quarteto de ferro de vertentes masculinas”, segundo versão nacional recente da revista “Rolling Stones” nas fotos à esquerda: Milton Nascimento, Caetano Veloso, Chico Buarque (foto) e Gilberto Gil

Milton dedica respostas longas a cada questão. É difícil mudar de tema - com delicadeza ele volta ao ponto que pretende falar. Não se enquadra um poeta em uma hora de conversa - quem conduz a entrevista é ele, inclusive no ritmo, na fala pausada, nos longos intervalos. Alguém lembra que o jeito tranquilo do compositor falar remete à maneira que Thelonious Monk tocava. O monstro do blues ia administrando os silêncios, fazendo com que se integrassem à música, que fossem como notas. Suas pausas também tinham ritmo. Milton Nascimento fala como quem faz música.
Sabe-se pouco da vida desse carioca de Laranjeiras que foi se criar nas Gerais. Aos 2 anos, martelava o piano da casa dos avós, um predestinado já em 1942. A mãe de sangue morreu quando ele era pequeno, o pai biológico foi ausente. Milton foi adotado por Lília, a filha da madrinha, moça que havia estudado com Heitor Villa-Lobos. Lília casou-se com Josino, homem que gostava de inventar coisas, era radioamador e amava astronomia. Um telescópio em casa mostrava estrelas e planetas às crianças - influência fácil de perceber nas canções futuras. "Num trem de ferro, a nova família, Lília, Milton e Josino, seguiu para Três Pontas", lê-se no site do músico. O menino ganhou gaita e sanfoninha e passava horas na varanda completando com a voz as notas que faltavam na sanfona. Surgia ali o cantor.
Na casa da Lília e Josino não havia nada a temer, senão o correr da luta. O casal adotou três filhos - Milton, Fernando e Beth. Os dois menores são brancos, mas a família não fez distinção de nada e cuidou de todos com igual carinho. Depois de muito tempo, Lília engravidou e nasceu Jaceline. Cresceram todos no amoroso solar de Três Pontas que exalava perfume de dama-da-noite. Milton anda em bando até hoje. Ao Nativo, que indicou para este "À Mesa com Valor", vai sempre com irmãos, sobrinhos, assessores e quem mais chegar.
Milton quer falar uma coisa, mas não adivinha onde ela anda. De repente, lembra-se:
- Tem uma coisa que esqueci de falar. Quando a gente estava no barco e cruzava uma canoa, eles falavam "Txai". Achei bonito, perguntei ao Macedo o que era aquilo. "Txai quer dizer: mais que amigo, mais que irmão. A metade de mim que habita em ti e a metade de ti que habita em mim". Tudo isso em quatro letras. São mais que poetas. Virou o sentido do disco, o sentido de tudo.
"Txai", o álbum, está fora de catálogo e é difícil de encontrar. Por causa dele, Milton foi à festa do Grammy pela primeira vez, indicado para Best World Music. Ele diz que não queria sair da Amazônia e ao voltar para o Rio ficou 40 dias em choque. Esquece a carne no prato e fala do dia em que quase presenciou um empate, a forma de luta pacífica dos seringueiros de se deitarem no chão impedindo que as motosserras derrubassem as árvores. No caso, eram índios contra tratores. Quando chegou à cena de Avatar, viu índios de mãos dadas e máquinas saindo de cena. Supõe que os desmatadores souberam que ele andava por ali e se mandaram.
Flávio Florido/Folhapress

Milton Nascimento e Gilberto Gil

- Se a gente não está por lá, matam as pessoas. Passam com as máquinas em cima.
Ele come mais um pedaço de carne e a pausa é a deixa para passarmos da floresta a Três Pontas. O disco que acaba de lançar, "... E a Gente Sonhando", foi todo feito com gente de lá. Neste sábado, no Via Funchal, em São Paulo, Milton faz um megasshow, com coral no palco, abrindo nova turnê. Claro, vai ser, vai ser, vai ter de ser, vai ser muito tranquilo.
- E esse disco novo, "E a Gente Sonhando"?
Há várias histórias por trás desse álbum bem produzido. A primeira é sobre a canção que dá nome à obra. Foi a segunda composição inteira que fez em sua vida. É a música que Milton fez para a rua Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, a preferida nas andanças daqueles jovens mineiros que queriam mudar o mundo.
- A gente andava por ela, parecia que estava em um sonho. Escrevi até um conto sobre essa rua, mas perdi. A sorte minha é que fiz a música.
Outra história tem a ver com o livro "The Brazilian Sound: Samba, Bossa Nova and the Popular Music of Brazil", de Chris McGowan e Ricardo Pessanha. Os autores fizeram um mapa, uma espécie de raio X musical do Brasil feito pelas capitais. Rio indica samba, Salvador sugere axé e assim por diante. Em Belo Horizonte, um traçado lembrando uma estrada leva a Três Pontas. O livro caiu na mão de Milton, que se surpreendeu.
- Levei um susto. Três Pontas ali, a única cidade mencionada que não era capital. Resolvi ir visitar meus pais e encontrei o Marco [Elizeo], com quem faço música desde criança. Mostrei o livro a ele e falei: Marco, e agora? Como é que vai ser? O Wagner [Tiso] e eu não estamos mais aí. E agora?
Folhapress

O compositor em festival de 1966, em São Paulo: Milton soltou a voz nas estradas em 1967, com seu primeiro disco, “Travessia”

O interlocutor resolveu levar Milton para jantar em um local distante. Chegando lá, foi surpreendido por dezenas de jovens músicos que tocavam rock, faziam "cover" de Pink Floyd e Rolling Stones, arrasavam. No dia seguinte, a mesma coisa, em outra fazenda.
- Lá dentro, na cozinha, que é o lugar preferido dos mineiros, estavam muitos músicos. Tocavam pra caramba. De vez em quando faziam um coro. Isso foi na noite que Marte mais se aproximou da Terra. Lembrei desse negócio e falei "Ihhhh. Marte e Três Pontas, alguma coisa vai dar". E deu.
A cada dia Milton descobria uma cena cultural nova e viva em Três Pontas, com músicos que brotavam pelos cantos. Chamou o povo para uma festa na casa de Jaceline e começou a pensar em gravar uma faixa de um CD seu com aqueles três-pontanos todos.
- Tem uma coisa que falo de Três Pontas. Você conhece, vamos dizer, 20 músicos. Aí passa dois meses sem ir lá e, quando volta, tem 56 novos. Cada vez é assim. Uma meninadinha com tudo.
Em Minas, diz Caetano Veloso no prefácio do livro de Márcio Borges, o caldo engrossa, o tempero entranha, o sentimento se verticaliza. Foi assim com Milton espiando o que acontecia por trás dos montes. A coisa foi tomando corpo, virou um disco inteiro. Escutou novas bandas e descobriu jovens talentos. A maioria dos músicos que toca em seu disco, coproduzido com Marco Elizeo, não tem 25 anos.
Leo Pinheiro/Valor

No Nativo: neste sábado, o cantor faz grande show em São Paulo para iniciar a turnê de seu novo disco

Milton tem pela frente uma fila de espetáculos programados. No dia 24, apresenta-se no Lincoln Center, em Nova York, e no dia seguinte participa do festival de jazz em Montreal, quase 20 anos depois da última vez em que esteve lá. No Brasil, vai abrir o Rock in Rio cantando a segunda parte de "Love of My Life". Na primeira parte quem canta é Freddie Mercury, o mítico vocalista do Queen, em imagens gravadas em 1985.
Ninguém quer sobremesa nem café. Milton atravessa devagar a avenida e comenta que não conhece Paul McCartney pessoalmente. Foi ao show do Beatle em São Paulo e à noite irá de novo. Tem também almoço marcado para o dia seguinte com Antonio Banderas, a pedido do espanhol. "Ele é louco para conhecer o Milton", diz Ana Paula. Quando fez o filme "Imagining Argentina", Banderas ouviu alguém cantarolando uma música no set e se encantou. Era "Maria Maria". Informado de que a canção era de um brasileiro, pegou o telefone e ligou para Milton, que liberou a trilha. Desde então, quer conhecer Bituca e agradecer.
O empresário busca seu carro e para em plena avenida Lúcio Costa, enquanto o fotógrafo procura aproveitar a luz de começo de tarde. Milton está sorridente, mas é sempre indecifrável. Caetano não poderia ter descrito melhor - "sua atmosfera a um tempo celestial e triste, sua aura mística e sexual". Um casal espera o fim da sessão e corre para a tietagem - autógrafo e clique. Lafayette vai se transformando em personagem de Almodóvar. "Chega! Ele tem que descansar!", ordena.
Milton se levanta, alcança a caminhonete e senta-se. Está fechando a porta quando uma mulher surge do meio da rua, gritando seu nome, um papel na mão. "Milton, Milton", repete a esbaforida. "Sou fulana, corretora de imóveis, trabalho aqui na Barra", e arremessa o cartão de visita no colo do compositor, por acaso. Milton vive há muitos anos em uma casa no Itanhangá, perto do Golf Club. Da janela, vê a Pedra da Gávea e a floresta da Tijuca. Diz que mora no Rio, mas tem a vista das montanhas. Ele não parece ter planos de se mudar, mas continua sorridente e intransponível enquanto Paulinho acelera e a mulher arremata com "qualquer coisa que você precisar...". Milton ainda acena, balançando o misterioso braço dos dois relógios.

Fonte: Eu & Fim de Semana - Valor.

Crescimento moderado

Delfim Netto

Nestes últimos quatro ou cinco meses, o desenvolvimento da economia brasileira mostrou que o Banco Central está mais antenado com o entendimento moderno da política monetária do que seus críticos. A contenção da taxa de inflação tem, seguramente, um conteúdo estacional – ela talvez volte a se elevar – mas é uma boa indicação de que a continuidade dessa política pode nos levar de volta ao centro da meta no fim de 2012. Não precisamos mais de muita pressa, como estava sendo “exigido” pela crítica.

O PIB vai crescer próximo de 4,5% este ano, o que já é uma redução do ritmo de crescimento normal de nossa economia. Não tem nada a ver com os 7,5% (que são apenas efeito de um truque estatístico), porque o Brasil não cresceu mais que 5%, se considerarmos a recessão que nos atingiu no meio do caminho da saída- da crise. O fato é que temos um desenvolvimento ainda razoável, comparado com os níveis de crescimento da maioria das nações do globo e uma inflação até o fim do ano parecida com 6%, com alguma possibilidade de reduzi-la ao longo de 2012.

É preciso olhar o que está acontecendo no resto do mundo com as economias mais poderosas neste pós-crise para entender por que o Brasil já não cresce como estamos acostumados. Uma parte substancial da queda no crescimento vem de fora, devido ao enfraquecimento da economia mundial. Nos Estados Unidos, já se teme a síndrome de uma “década perdida”, como a que viveu a economia japonesa até o ano passado.

A pressão inflacionária interna provém do setor de serviços, em razão das próprias características da demanda da mão de obra nesse mercado e da melhora na formação de pessoal. De nada adianta estranhar os níveis da remuneração, porque isso é parte de um processo civilizatório irreversível, a partir, principalmente, do sucesso das políticas sociais do governo Lula.

Há uma nova emergência, as pessoas estão mudando de condição, conseguindo melhorar a remuneração do trabalho. Não é apenas porque há uma escassez de mão de obra, mas porque mulheres e homens estão ascendendo no processo social. Imagino que ainda existe quem acredite que as tensões daí derivadas (altamente benéficas) podem ser contidas com a elevação das taxas de juro, o que é um enorme equívoco. Não é por esse caminho.

O que vai acontecer (e já está acontecendo de forma moderada no atual governo) é uma redução de demanda, como resultado das medidas macroprudenciais, mas sem produzir os efeitos indesejáveis que ocorrem quando se faz o combate à inflação apenas com elevações da taxa de juros. Não acredito que vamos correr os riscos de uma recessão, levados por equívocos na condução da política econômica. Qual a probabilidade de termos algum trimestre recessivo este ano? É claro que isso não vai acontecer, não existe essa possibilidade.

Daqui até o fim de 2011, o que vejo é uma situação de desenvolvimento moderado. Os controles de crédito terão algum efeito, mas sem redução expressiva nos níveis de consumo, de modo a terminar o ano com um PIB 4% maior, até mesmo com uma taxa de crescimento aproximando-se de 4,3% ou 4,5%, que era a minha perspectiva desde o início. Não vejo por que rever essas estimativas, apesar das avaliações do início desta semana de parte de ilustres economistas e analistas mais pessimistas por conta da queda do ritmo de crescimento da produção em setores da indústria no mês de abril.

A taxa de inflação deve se amainar nos próximos meses, mas terá alguma recuperação antes de convergir para a meta de 2012. Não dá para imaginar que vamos navegar num mar de tranquilidade em matéria de inflação no ano que vem, porque o setor de serviços vai ter de conviver com o choque da elevação do salário mínimo em 14%. Devíamos ter nos preparado para dividir em duas vezes a correção: uma boa parte das pressões que estão aí deriva do fato de não termos estudado melhor essa questão. Parece que esquecemos que o salário mínimo é unidade de conta. Quase tudo se ajusta pela variação do salário mínimo, principalmente nos serviços, desde os mais irregulares (pagos por hora, por exemplo) até os produtos médicos, obras de engenharia e todos os outros que se reajustam automaticamente.

Esses problemas nos preços provavelmente vão exigir do governo novas medidas de contenção do crédito, com restrições ainda maiores que as adotadas este ano. Isso sinaliza que não teremos nenhuma segurança de um crescimento econômico em 2012 superior ou pelo menos igual ao de 2011.

Não é uma perspectiva agradável, principalmente se levarmos em conta que as questões não resolvidas de indexação  devem produzir mais pressões sobre os preços, exigindo do governo ações dramáticas de contenção, desacelerando o crescimento.

domingo, 12 de junho de 2011

Telefonemas de João Gilberto

Por Zuza Homem de Mello

Haverá voz mais nítida que a do canto de João Gilberto? No país tão ligado à sua música popular, quem revolucionou a forma de se cantar canção foi um incansável perseguidor da perfeição.
Embora singelo no indispensável, qualquer espetáculo de João Gilberto é invariavelmente cercado de um temor antecipado, quando não verdadeiro pavor, pelas exigências sempre pertinentes quanto ao aspecto essencial no seu caso: a qualidade do som, que, afinal, pode ser resumida na ampliação de apenas dois microfones, o da voz e o do violão. Nada mais. Com toda razão, João tem sempre a máxima preocupação com que sua voz seja ouvida com nitidez absoluta, independentemente do tamanho ou da capacidade da sala de seus recitais, provavelmente cada vez mais raros agora que atinge os 80 anos, nesta sexta-feira. São anunciados dois em setembro, um em São Paulo, outro no Rio.
Sua justa pretensão é que o som de sua voz chegue aos ouvidos de cada um como se ele estivesse a centímetros de distância, com clareza, limpidez, com definição irretocável e nenhum tipo de artifício que possa afetar a pureza de seu canto. Sem fazer concessões, João respeita a canção sem incutir maneirismos ou malabarismos que coloquem o intérprete acima do compositor. Em última análise, sua meta é dar vida a uma canção com o timbre das suas cordas vocais e as de seu violão.
Alguns não conseguem entender, mas João vive durante a noite para sua música, tocando violão por horas e horas a fio até hoje, com a mesma determinação e mesmo apuro que tinha com a metade de sua idade atual.
Para João Gilberto, o telefone não é para dar ou receber recados, é o seu meio preferido e mais constante de comunicação pessoal
O mesmo rigor com a emissão vocal quando canta se percebe nos decantados telefonemas, também sempre a altas horas da noite. Ouvir João Gilberto falar é outro tipo de prazer para ouvidos musicais exigentes. Não se perde uma vogal ou consoante. Não é só que ele canta como quem fala; João também fala como quem canta, articula cada palavra com dicção tão perfeita que, mesmo sem gritar, nada se perde do que diz, até com o fone descolado do ouvido.
Seus amigos dos anos 50 dão conta de sua constante preocupação em ser ouvido com perfeita clareza, independentemente da distância. Ronaldo Bôscoli contava que João saía do apartamento caminhando pelo corredor e distanciando-se aos poucos, enquanto emitia o mesmo som, indo cada vez mais longe para avaliar até que ponto poderia ser ouvido nitidamente sem necessidade de alterar o volume de voz. Sua preocupação com a emissão de voz foi sempre uma constante exercitada exaustivamente.
O sotaque de João Gilberto não é tipicamente o de um baiano, não abrindo em demasia certas vogais; seus "esses" intermediários não soam como "ch" mas são convenientemente sibilados como deve ser o "S", uma letra surda, sem vibração das cordas vocais, um som sussurrado. Na função plural, o "S" nunca deixa de ser ouvido nos finais das palavras e quando tem som de "Z", como em Brasil, João emite um zunido instantâneo com a conveniente vibração das cordas vocais.
Para João Gilberto, o telefone não é para dar ou receber recados, é o seu meio preferido e mais constante de comunicação pessoal. João adora passar horas e horas conversando ao telefone, independentemente da distância geográfica que o separa do interlocutor. A maioria de quem com ele já conversou nunca teve João Gilberto pela frente, esteve inevitavelmente na outra ponta de uma ligação telefônica. Um telefonema seu tem mesmo a função de fazer visitas noturnas sob a forma de diálogos extensos e deliciosos. É como ele gosta de conversar, dissertando sobre os mais diferentes assuntos, quase sempre sem abordar o que todos imaginam ser obrigatoriamente o foco de suas conversas, a música.
A impressionante memória sobre os hábitos de seus interlocutores, o que é simplesmente inacreditável, juntamente com sua surpreendente capacidade de estar sempre atualizado com tudo o que se possa imaginar, contraste gritante com o inabalável recolhimento em que vive, são motivos para extrapolar a admiração por João Gilberto. Para os contemplados por sua simpatia e pela invejada oportunidade de travar um diálogo de horas e horas com o músico considerado genial pelos maiores artistas do universo, um telefonema com João Gilberto é uma experiência.
Muitas vezes, o diálogo é interrompido por um pedido seu para algo que não se sabe exatamente o que é. O intervalo pode ser tão curto, como em regra se aguarda, mas também pode durar o tempo de uma refeição completa, que ele fará com a linha aberta como sendo mais vantajoso do que interromper para ligar mais tarde.
Quanto à variedade de assuntos, em que o futebol é quase sempre o preferido e abordado com conhecimento tático de um técnico profissional, João discorre sobre todos os temas possíveis: pode falar sobre outro esporte exaltando sua admiração por atletas brasileiros; pode descrever o passarinho que recentemente viu infeliz na janela, penalizado com o sentimento de tristeza da avezinha; pode se condoer de uma formiguinha esmagada por acaso; pode descrever com precisão o que está acontecendo de mais relevante na cidade do interlocutor; pode cantarolar trechos de velhas canções ou criar sons onomatopaicos de assombrosa originalidade. E se, por acaso, o assunto música vier à tona, João não consegue segurar sua empolgação sem limite, sua fé no futuro dos músicos, compositores e cantores, revelando um sentimento de brasilidade contagiante.
Um novo círculo de amigos de João Gilberto acredita piamente estar se comunicando com ele através do teclado, via um facebook que existe com seu nome. Pode ser, mas é difícil. Se for verdade, estão perdendo o elemento fundamental da comunicação que João Gilberto usa desde quando caminhava lado a lado com músicos por Copacabana, convencendo-os das ideias que tinha sobre a canção brasileira. Quando falava sobre o ritmo, a leveza da interpretação e, inconformado com os infortúnios dos amores que dominavam as letras das canções da época, insistia que se fizesse letras positivas, falando de coisas belas sobre o amor. Esse elemento fundamental, que não existe na comunicação via net, é sua voz.
Essa voz sedutora, convincente, que se expressa em depurada forma do idioma português do Brasil, é o meio de João Gilberto se comunicar com seu estranho, indefinido e imensurável círculo de privilegiados conversadores telefônicos. Essa voz clara e precisa, tal como a batida de seu violão, soa viva pelo telefone nas altas madrugadas. Vem com a marca indelével que cerca a fascinante música de João Gilberto: o inesperado.

Fonte: Valor Econômico - Eu & Fim de semana.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Smith, Keynes e os paradoxos da ciência econômica

Ontem (5 de junho) foi aniversário de nascimento de dois dos pensadores mais influentes na história da ciência econômica, Adam Smith e John Maynard Keynes. Muitos têm falado e escrito sobre eles, mas poucos fizeram uma comparação de suas vidas e de suas obras, e esta é a ocasião para fazê-lo, no momento em que o capitalismo, sistema que um deles impulsionou e o outro tentou salvar, debate-se em uma profunda crise. Nosso objetivo é expor, em grandes linhas, algumas de suas coincidências e diferenças, o que nos permitirá compreender, também, os limites do sistema econômico em que vivemos.

1. Toda teoria econômica deve ser considerada nos marcos de sua época e as ideias de ambos tiveram a ver com a problemática que tocou a viver a cada um. As razões dos êxitos que os acompanhou estão vinculadas com seus acertos em decifrar e entender as tendências e fenômenos históricos predominantes. No caso de Adam Smith, a emergência de um modelo capitalista de desenvolvimento na Europa do século XVIII, marcado pela Revolução Industrial no plano econômico e por mudanças políticas que destruíram ou restringiram privilégios das monarquias absolutas. No de Keynes, a época do declínio e da primeira grande crise do capitalismo, que não começou, como assinala ele próprio em seus Ensaios de Persuasão(1931), com a queda da Bolsa de Wall Street em 1929, mas sim antes, no primeiro pós-guerra, através de sintomas sobre os quais advertiu precocemente, como o fim do padrão ouro e os desequilíbrios crescentes do sistema econômico internacional. Uma evolução histórica que coincide com sua etapa de formação e desenvolvimento como economista.

2. Nem um nem outro foram meramente economistas. Entenderam a ciência econômica como fazendo parte de saberes mais amplos que permitiam uma compreensão das sociedades de seu tempo e da natureza dos indivíduos que as constituíam. Adam Smith iniciou sua carreira universitária como titular da cadeira de Lógica e Filosofia Moral, na Universidade de Glasgow, onde elaborou, progressivamente, suas teorias sobre o direito, a moral e o Estado, que se plasmaram em sua obra “Teoria dos Sentimentos Morais”(1759) e em suas “Leituras sobre Jurisprudência”. Sua teoria econômica deriva de suas concepções éticas onde o egoísmo domina a esfera econômica enquanto que o altruísmo funda as bases da vida social. Neste sentido, não é possível compreender sua obra principal, “A Riqueza das Nações” (1776), sem relacioná-la com um corpus ideológico e filosófico no qual se enquadram suas contribuições para a economia política.

Keynes também tinha uma formação filosófica e uma visão mais ampla da realidade de sua época. Não era viciado nos modelos econométricos que só podiam apreender aspectos limitados da realidade e, ainda que professor em Cambridge e funcionário em distintos momentos de sua vida, caracterizava-se a sim mesmo, irônica ou modestamente, como um “publicista”, um autor que escreve para o pública de forma periódica com o objetivo de difundir suas ideias. Em todo caso, para Keynes, todo economista deveria possuir uma rara combinação de qualidades: matemático, historiador, homem político e filósofo. Estudar o presente à luz do passado e com a perspectiva do futuro, sem deixar de lado nenhuma das instituições criadas pelo homem.

3. Ambos concebiam o capitalismo como um sistema. Não obstante, para Smith, era o estágio mais elevado na evolução econômica. Keynes, em troca, considerava esse sistema como uma fase no desenvolvimento histórico da humanidade, ainda que a mais conveniente no momento. Adam Smith viu a economia como um todo orgânico, natural que, por meio do mercado, tende a um equilíbrio. O homem, ao perseguir seu próprio interesse individual buscando o máximo benefício, trabalha necessariamente para fazer com que a receita anual de uma sociedade seja a máxima possível. Ele é levado a isso por “uma mão invisível” que “o conduz a promover um fim que não estava em suas intenções”. Em troca, Keynes diz, criticando o laissez faire, que “não é verdade que os indivíduos possuem, a título prescritivo, uma liberdade natural no exercício de suas atividades econômicas”. Não existe, segundo ele, nenhum pacto que possa conferir direitos perpétuos aos proprietários de bens. Além disso, não é correto deduzir dos princípios da economia política que o mundo é governado pela Providência, e que o interesse pessoal trabalha sempre em favor do interesse geral.

4. As teorias de ambos tentavam modificar determinadas condições econômicas e políticas. Em “A Riqueza das Nações”, destaca-se a preocupação de Smith com as políticas mercantilistas que caracterizavam os monopólios coloniais. O livre comércio era uma condição necessária para o florescimento da competição, dos baixos preços e da expansão dos mercados. Em consequência, a divisão do trabalho, principal motor do incremento das forças produtivas, não encontraria travas para sua completa generalização e derivaria em uma maior riqueza das nações. Alguns de seus seguidores deduziram disso que as crises seriam impossíveis dentro do sistema na medida em que o poder de compra do mercado dependeria da ampliação da produção e das receitas que isso geraria.

Pelo contrário, Keynes demonstrou em sua “Teoria Geral” (1936) – e os anos 20 e 30 dariam razão a ele – que o aumento das receitas pode não resultar em um crescimento similar do consumo, e aquela parte que se poupa não necessariamente é dirigida para a atividade produtiva, diretamente ou por meio de financiamento. Essa insuficiência nos níveis de consumo e investimento, que não cobrem a oferta existente, traz graves consequências sobre o produto e o emprego, originando as crises. Deste modo, como diz Joan Robinson, o economista inglês retoma o problema moral que a teoria do livre mercado havia aparentemente abolido: sua incapacidade para gerar ocupação plena e a necessidade de formas de regulação do sistema econômico. Diante desse diagnóstico, competiria ao Estado garantir o pleno emprego: aumentando o gasto público, reformando o sistema fiscal, melhorando a distribuição de renda e regulando o comércio exterior.

5. Adam Smith não representa, no entanto, completamente, a teoria ortodoxa atual que se impôs nos anos do neoliberalismo. Em sua época, o livre comércio supunha a competição de muitos capitalistas em resposta ao controle monopolista do comércio por parte de certas corporações privadas e estatais. Hoje, em um mundo marcado por companhias multinacionais de caráter oligopólico, o mesmo princípio implica o domínio dos mercados por parte de umas poucas empresas que determinam a produção e os preços, captando para si a maior parte do excedente gerado pela acumulação do capital, tanto na esfera propriamente econômica como na financeira. Por sua parte, as políticas keynesianas tampouco significam que a intervenção do Estado consista no resgate daqueles setores, empresas e bancos, que provocaram a crise atual e o posterior ajuste das receitas da maior parte da população. Está muito longe do pensamento de Keynes subsidiar o mercado financeiro e rebaixar salários e aposentadorias.

6. Nem Smith nem Keynes merecem ser avaliados pelo que não são, estejamos ou não de acordo com seus postulados. Em troca, valorizá-los pelo que são vai nos ajudar a criar um pensamento próprio que responda a nossas próprias necessidades e circunstâncias históricas.


Tradução: Marco Aurélio Weissheimer


Fonte: Carta Capital.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Plano Brasil sem Miséria e Operação de Defesa da Vida

O governo federal vem demonstrando que não veio a passeio. A promessa de dar continuidade ao processo de transformação social característico do governo anterior e de enfrentar outros problemas que afligem o país vem sendo cumprida pela presidenta Dilma.
O dia de ontem foi marcado por importantes medidas que demonstram o compromisso do governo com a população brasileira.
Primeiro, foi o lançamento do Plano Brasil sem Miséria, que visa tirar 16 milhões de pessoas da condição de miserável. É uma ação com foco específico e que é marcante por enfatizar a classe mais necessitada da população e também pelo seu ineditismo.
O Plano foi elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome com a colaboração de outros ministérios. Para conseguir êxito é de fundamental importância a participação das três esferas administrativas.
Veja mais sobre o Plano Brasil sem Miséria aqui.

A outra ação importante de ontem foi a divulgação da Operação de Defesa da Vida, que objetiva inibir a violência no campo nos estados amazônicos, especialmente o Pará. Não bastassem os históricos conflitos agrários, a onda recente de assassinatos no campo serviu de estopim para o desenho de uma ação enérgica do atual governo.
A medida merece destaque por colocar o interesse público acima dos interesses políticos, o que demonstra compromisso com a população.

Leia mais sobre a Operação de Defesa da Vida aqui.
O Defesa da Vida surgiu a partir da articulação da chefia do executivo federal com os governadores dos estados do Amazonas, Pará e Rondônia, além da participação de alguns ministros.


A torcida é que as duas medidas anunciadas venham a proporcionar melhorias à nossa população. Tratar de dois assuntos historicamente problemáticos em nosso país demonstra coragem e compromisso com o país.