sábado, 9 de julho de 2011

O orgulho de fabricar

Por Diego Viana

O economista americano Werner Baer desembarcou no Rio pela primeira vez em meados da década de 1960, para realizar pesquisas na Fundação Getúlio Vargas. Nascido na Alemanha e criado em Nova York, o economista considera-se, desde então, "carioca, pelo menos em parte". Brasilianista, titular da cadeira Jorge Paulo Lemann da Universidade de Illinois e ex-professor do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, Baer tornou-se um dos principais especialistas acadêmicos em economia brasileira, autor de uma obra intitulada, bem a propósito, "A Economia Brasileira", que chegou em 2008 à sua sexta edição.
O livro, enriquecido com copiosas estatísticas e tabelas históricas, aprofunda o tema da industrialização do país, da era Vargas à redemocratização, analisa a crise da dívida dos anos 80 e se estende pelo período que recebeu o nome de "neoliberal", inaugurado na era Fernando Collor e posto em questão no governo Lula. A nova fase da economia brasileira, a ser incorporada às próximas edições da obra, segue em aberto. "Vejo uma possibilidade de desindustrialização, por causa da valorização do câmbio. Será que esse é um perigo verdadeiro? É uma situação temporária? É uma tendência de longo prazo?", alerta o economista. Baer preconiza um olhar sobre as tendências para o país que ultrapasse as fronteiras da economia e enverede pela história, a política nacional e a geopolítica.
O economista ilustra seu pensamento lembrando que a década de 1960 foi o coração do período de industrialização acelerada no país. "Um elemento que não coloquei no livro, mas chamou minha atenção, era o orgulho visível da população com a indústria que crescia", relata. "Os brasileiros diziam: 'Está vendo aquele caminhão Mercedes? Fomos nós que o fizemos. Não o importamos. Fabricamos aqui'." Para Baer, o elemento psicológico manifestado nesse orgulho é fundamental. "É o orgulho de não ser simplesmente um povo que colhe café e corta cana-de-açúcar. O povo se reconhece capaz de produzir uma coisa sofisticada." Esse orgulho não feneceu, mesmo com tudo que se passou na economia brasileira desde aquela época. "Da minha cidade, Champagne, o serviço aéreo até Chicago é feito inteiramente com aviões da Embraer. Os brasileiros que trabalham lá também se orgulham de dizer: 'Este é nosso avião'."
O fator psicológico se mistura com as projeções geopolíticas para definir a dimensão do risco da valorização cambial. Se for confirmada uma tendência à desindustrialização, pergunta Baer, "qual vai ser a relação do Brasil com os países avançados tradicionais? E qual é o papel do novo centro, ou seja, da China"? Ele evoca a teoria da dependência, desenvolvida pelos economistas da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), como o argentino Raúl Prebisch e o brasileiro Celso Furtado, para ilustrar como a história se repete, ainda que sob outra forma. "A relação centro-periferia está se repetindo na África. Os chineses investem lá para extrair matérias-primas para a indústria. Se há uma desindustrialização e o Brasil voltar a ser dependente de exportações de matérias-primas, será que o país está retrocedendo?"
A mensagem de alerta do economista ao país que estuda pode ser entendida como um antídoto para a euforia em relação a seu próprio futuro de curto prazo. Baer cita o célebre título do autor austríaco Stefan Zweig: "Brasil, País do Futuro", um futuro que muitos brasileiros acreditam já ter chegado. O brasilianista discorda: "Está próximo, bastante próximo, mas ainda não chegou".
Contra a euforia, Baer oferece provocações: a desindustrialização é uma ameaça que paira, a taxa de investimento é muito baixa para um país que pretende crescer, os gastos públicos não são eficientes e os investimentos, em particular o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), avançam com lentidão exasperante.
Mas a crítica mais forte recai sobre a relação que o país mantém com a educação e a pesquisa. "Um dos motivos para a morosidade do investimento no Brasil é a baixa qualidade da formação, principalmente de engenheiros. O sistema educacional ainda não está aproveitando as riquezas humanas que existem aqui." Talvez como consequência do sistema de ensino deficitário, o poder de inovar e criar novos produtos é limitado, já que "muitas empresas brasileiras não fazem bastante esforço de pesquisa. Não querem empregar um químico, por exemplo, que passa anos no laboratório antes de produzir algo lucrativo. Se precisam de tecnologia, preferem comprá-la pronta no exterior".
O legado de Werner Baer no Brasil vai muito além do livro que resume a economia do país. Ele participou da criação da Fipe-USP (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo) e deixou sua marca em instituições como IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Fundação Getúlio Vargas, Pontifícia Universidade Católica e Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas). Quando vem ao Brasil, instala-se no Rio, não mais na FGV da praia de Botafogo, mas na PUC, na Gávea, por afinidade teórica.
A proximidade acadêmica com o país lhe dá liberdade para as críticas mesmo ao Banco Central comandado pelo ex-aluno Alexandre Tombini, "um grande amigo e um economista excepcionalmente brilhante, muito competente". O problema está nas metas de inflação, que, para Baer, deixam de lado prioridades mais urgentes para o Brasil, como a redução da pobreza e da desigualdade. "O sistema de metas de inflação é simplista. Traz implícita a crença de que, se podemos alcançar uma sociedade em que a inflação desaparece, todos os outros problemas desaparecem também: a baixa taxa de investimento, a baixa taxa de poupança, a pobreza, a desigualdade... É como se tudo pudesse se resolver automaticamente se a inflação estiver abaixo de 6%."
A memória da hiperinflação é indicada como explicação para a ênfase no nível de preços e nos aumentos da taxa de juros. "Uma volta da inflação das décadas de 1970 e 1980 seria interpretada como um fracasso total da política econômica. Eu entendo o BC. A tarefa deles é eliminar qualquer ameaça à estabilidade da moeda e ao poder de compra. Mas como sou acadêmico, não membro do FMI (Fundo Monetário Internacional), nem do Banco Central, posso fazer críticas", argumenta Baer, rindo.
Outro ex-aluno célebre de Baer é o presidente do Equador, Rafael Correa, indicado como mais um representante da guinada para a esquerda na América Latina do início do século XXI, ao lado de Lula, Hugo Chávez, Evo Morales e José Mujica. Mas o rótulo sobre o ex-aluno parece injusto ao economista americano. "A maneira como a imprensa internacional tem apresentado Correa não é muito justa. Ele acredita no mercado! Estatizou algumas empresas-chave internacionais, porque se comportaram muito mal do ponto de vista do ambiente na Amazônia. Mas as empresas privadas vão muito bem no Equador, sobretudo as exportadoras. Correa respeita a propriedade privada, é um homem muito religioso."

Fonte: Valor - Eu & fim de semana.

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