sábado, 25 de junho de 2011

Empobrecimento intelectual no FMI


Alex Ribeiro
Um conjunto de documentos recém-publicados por uma auditoria independente ajuda a entender por que o Fundo Monetário Internacional (FMI) falhou na sua missão de alertar com antecedência para os desequilíbrios que levaram à recente crise mundial.
O problema não é apenas que o FMI defendeu políticas inadequadas, como a desregulamentação financeira indiscriminada e a abertura das contas de capitais a qualquer custo, mas principalmente a falta de capacidade para refletir sobre realidades econômicas que fogem do manual.
O chamado Escritório de Avaliação Independente (IEO, na sigla e inglês) analisou 6,5 mil trabalhos de pesquisa econômica publicados pelo FMI nos últimos dez anos, quando se acumulou boa parte dos problemas que levaram à crise.
Estudos se alinham a pensamento dominante no Fundo
Economistas de fora do organismo foram convidados a examinar a consistência dessa massa intelectual. Também foi feita uma pesquisa de opinião para saber como a qualidade e a utilidade dos trabalhos são avaliados pelos países-membros do FMI e para entender um pouco do processo de produção dentro do próprio corpo técnico do organismo.
O dado mais preocupante é que 62% dos economistas do Fundo afirmaram que se sentem pressionados a alinhar as conclusões de suas pesquisas econômicas ao pensamento dominante no FMI. Outros 31% dizem que "raramente" se sentem instados a moldar o pensamento do Fundo. Apenas 7% disseram que nunca se sentem pressionados.
É claro que um organismo como o FMI deve ter uma uniformidade mínima de pensamento para garantir coerência às suas ações. Mas a falta de autonomia intelectual empobrece a investigação econômica e dificulta identificar os riscos e perigos que a multidão não enxerga.
A pesquisa econômica é uma das atividades mais nobres dentro do FMI, consumindo cerca de US$ 100 milhões por ano, ou 10% do orçamento da casa. Relatórios como o Panorama Econômico Mundial são ferramentas muito poderosas para influenciar e mudar políticas adotadas em países-membros. O cardápio inclui também estudos feitos para os países e trabalhos de discussão, entre outros.
"Se os pesquisadores são frequentemente obrigados -- ou se sentem obrigados -- a aderir a certas noções preconcebidas, a pesquisa do Fundo será menos relevante para os formuladores de políticas públicas", afirma Paulo Nogueira Batista Júnior, diretor-executivo para o Brasil e outros oito países da região no FMI, esclarecendo falar em nome pessoal, e não do organismo.
Em janeiro deste ano, uma outra auditoria independente conduzida pelo próprio IOE havia detectado que a falta de arejamento no pensamento do FMI contribuiu para impedir que o organismo avisasse em alto e bom tom que o comportamento perigoso dos países avançados levaria a uma crise.
Nesse documento, o IEO disse que o corpo técnico do FMI sofre de uma mazela conhecida como "pensamento de grupo". Ou seja, os economistas da casa formam uma panelinha homogênea e preferem o conforto de repetir o pensamento médio dos colegas a desafiá-los com raciocínios originais e independentes.
Um terceiro documento divulgado há pouco menos de um mês, esse preparado por um grupo dentro do próprio FMI, mostra que falta diversidade entre o corpo técnico do organismo. Hoje, 60% dos cargos de chefia no Fundo são ocupados por profissionais de países anglo-saxões. Nada menos de 63% dos economistas obtiveram doutorado em universidades americanas. O FMI recruta seus novos quadros em apenas 15 universidades americanas, além de outras 35 no resto do mundo.
Não há dúvidas que o FMI emprega alguns dos cérebros mais competentes do mundo, formandos em universidades como Stanford, Harvard e Princeton. Boa parte das peças produzidas pelo FMI são consideradas de altíssima qualidade. Segundo a pesquisa de opinião feita pelo IEO, autoridades econômicas e acadêmicos de praticamente todos os países do mundo dizem ler com muita atenção o Panorama Econômico Mundial. Cerca de um terço dos trabalhos de discussão do FMI termina publicado em jornais acadêmicos.
Mas a avaliação geral é que falta objetividade científica. Entre as grandes economias emergentes, 57% consideram que as pesquisas são feitas para sustentar um conjunto pré-definido de prescrições, sem dar espaço para visões alternativas.
Poucas autoridades econômicas de países avançados, segundo a pesquisa do IEO, afirmam ter definido suas políticas com base na produção intelectual do FMI. Mas os documentos divulgados pelo organismo ainda são muito usados pelos países mais pobres, que não tem recursos para desenvolver a sua própria pesquisa.
O foco da auditoria é o FMI, mas suas conclusões servem de lição para instituições brasileiras que conduzem a sua própria pesquisa econômica, como o Banco Central. Não se trata de perder a unidade de pensamento numa instituição que deve se comunicar de forma muito clara. Mas num mundo que está repensando antigos conceitos econômicos, será fundamental arejar a produção intelectual.

Fonte: Valor.

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