segunda-feira, 20 de maio de 2013

A adorável Matilde

E lá estava o Zé Carlos, ou Zeca, como era mais conhecido, voltando do trabalho de garçom depois de um dia bem movimentado no Restaurante Casa Blanca. Como de costume, passava na padaria do Messias perto de casa para comprar seu jantar - pão, queijo e refrigerante.

Zeca percebeu que a mulher que estava no caixa da padaria não era a Tereza, uma senhora que estava no cargo desde os tempos em que ele mudou para o bairro há uns 6 anos.

 “Boa tarde, onde está a dona Tereza?”, perguntou para a nova atendente.
- Ela precisou sair do emprego para cuidar da filha, que está grávida.
- Ela é uma boa pessoa. E o seu nome é...?
- Matilde.
- Obrigado, Matilde! Sou o Zé Carlos.
Zeca pegou seu pacote e foi para casa. 

Nos dias seguintes a cena da padaria se repetia quase que diariamente.

Zeca, solteiro, aparentava ter uns 35 anos e morava numa casa humilde no final da rua da padaria do Messias. Com o tempo, começou a observar a Matilde e, entre uma conversa rápida e outra com o dono da padaria, descobriu que ela também era solteira e tinha seus 28 anos.

Matilde não era um exemplo de beleza dos que se via nas novelas, mas tinha lá seus atributos. Seus olhos castanhos claros e cabelos lisos caiam bem com sua pele morena e bochechas avolumadas. Depois de um romance que terminou por conta de traição, Matilde jurou para si que faria de tudo para manter o próximo relacionamento, por isso teria que ser uma escolha bem pensada. Mas por hora, pensava, é dedicar ao novo trabalho.

Zeca, na sua ida rotineira à padaria, começou a buscar uma aproximação de Matilde. Ela, sempre educada, apresentava um leve sorriso para cada cliente que passava em seu caixa, mas não demonstrava abertura aos mais engraçadinhos que a cortejavam com elogios mais atrevidos. Com o Zé, a Matilde arriscava fazer alguns comentários sobre o pãozinho que ele levava: “hoje o pão está quentinho, hein!”, e ele retribuía com um sorriso e uma ou duas palavras.

Para Matilde, o Zeca era um homem respeitador, educado e honesto, que trabalhava pesado no restaurante para levar a vida. Já o Zeca, via na Matilde uma pessoa que parecia ser sincera e batalhadora. Embora Zeca por vezes dissesse para si mesmo que “ela tem uma carinha de bobinha”, ele começou a encantar-se por Matilde. Ela idem.

Entre um pãozinho e outro, Matilde aceitou o convite de Zeca para um jantar depois do expediente (sim, o jantar tradicional dele; a Matilde levou o pão). Com o tempo os dois se apaixonaram e Matilde sentiu que o Zeca seria um bom homem para ela. Seis meses depois de o tal jantar, os dois foram morar juntos, que para eles significava um casamento.

Dois anos depois do “ajuntamento”, a rotina não havia mudado. Matilde estava feliz e apaixonada. Conseguiram dar uma melhorada na casa, compraram móveis novos e até pouparam grana para um carrinho usado. Já Zé Carlos começava a deixa seu instinto de quarentão aflorar. Como ele usava o carro para ir ao trabalho, achava-se mais confiante para uma pulada de cerca. Poderia sair mais cedo do trabalho e marcar um esqueminha. A Matilde nem iria perceber. Zeca, então, começou a sair com Fernanda. Ela, de 25 anos, trabalhava na filial do restaurante. Os dois se conheceram numa daquelas reuniões para “balanço” do restaurante. Ela não tinha muita coisa na cabeça, era atrevida e provocante. Sabia que seu belo par de cochas deixava muito homem de cueca inflada, mesmo assim nunca arranjou um bom partido (leia-se, um homem rico), como ela desejava.

Matilde começou a perceber certo distanciamento do Zeca. Os carinhos não eram mais os mesmo, as reuniões depois do expediente aumentavam, mas ela deixou o Zeca na dele. “Não é nada não, amor, apenas estou cansado do dia de trabalho. Está puxado lá no restaurante. Boa noite!”

Fernanda gostava do Zeca, e, sabendo que ele era casado, disse que só iria dar continuidade ao caso quando ele saísse de casa. Não deu outra. Dois meses depois os dois foram morar num quarto alugado.

Matilde, coitada, ficou arrasada. O Zeca pediu-lhe desculpas e até afirmou que tinha o maior apreço por ela, mas o que sentia pela Fernanda era, era...não sabia explicar. Enfim, “acabou!”, disse ele ao sair de casa, deixando a pobre Matilde aos pratos.

Seis meses depois lá estavam Zeca e Fernanda ainda juntos, de bem com a vida. Ela aparentemente aprendendo algumas coisas com o quarentão, e ele orgulhoso de ter uma mulher jovem e bonita em casa.

Mas vejam como é a tentação. Uma morena, jovem, super atraente começou a frequentar o restaurante onde Zeca trabalhava. Ele, sempre solícito, atendia com toda educação e presteza a nova cliente. Débora era o nome dela. Ela parecia saber dos gostos do Zeca e sempre tecia comentários lisonjeiros para ele. Com o tempo, Zeca passou a ficar encantado com Débora, mas sabia que tinha em casa uma bela companheira e não queria uma nova situação, como aquela com a Matilde. Bem, as investidas de Débora, nunca vulgar, deixou o Zeca sem escolha. Trocou a Fernanda pela Débora. Seu ego foi às alturas: “depois dos 40 estou pegando todas!”.

A Fernanda, que já tinha se apegado ao Zeca, sofre um tanto. “Paciência”, pensou o Zeca.

Dois meses depois o Zeca chega em casa (alugou um pequeno apto.) e flagra Débora na cama com outro cara. Sentiu uma dor profunda ao ver aquilo, mas nada fez. Débora saiu de casa e lá ficou Zé Carlos. Destroçado. Derretendo-se em pratos.

Dias depois tentou contato com a Fernanda, mas esta não queria mais nada com ele.

Segue-se a vida. Zé Carlos, agora gerente do restaurante, está aparentemente recuperado do trauma do último relacionamento, porém não abre brechas para uma nova aventura. Por conta do novo cargo, passa a ter mais contatos com pessoas e, vez em quando, recebe elogios mais aguçados (e até cantadas) de clientes mais assanhadas, mas não se deixa levar.

Pois bem, mas o Zeca não é de ferro. Sentia-se com a saúde em dias e o seu apetite não havia acabado. 

Uma representante de uma empresa de vinho passa a ter contato com o gerente Zé Carlos para falar de seus produtos e discutir a possibilidade de ser fornecedora do restaurante. O nome dela é Cecília. 

Embora não tenha seguido os estudos (parou no segundo ano do segundo grau), Zeca costumava ler um pouco de literatura na juventude. Ele tinha um fetiche especial pelo nome Cecília, pois fantasiava em sua mente a linda Cecília do José de Alencar (do livro O Guarani), sendo Zeca o Peri do romance.

Cecília, na tentativa de vender o produto com o qual trabalhava, começou a ter contato mais frequente com o gerente. Sempre educada, com um palavreado requintado e mostrando propriedade sobre o que estava falando, Cecília foi ganhando a atenção de Zé Carlos. Ao marcarem uma conversa pessoalmente, ele ficou encantado com a beleza daquela mulher de trinta e poucos anos. Embora não tão jovem como a que descrevia José de Alencar, a Cecília representante de vinho tinha igualmente olhos azuis e cabelos compridos louros. Isso fez o gerente fantasiar mais ainda, estendendo as conversas com a linda mulher por um bom tempo, negociando preço, quantidade, os tipos de vinhos etc.

Ela, embora muito discretamente, abria brechas para as investidas, também discretas, do Zeca. Dois meses de conversa e ainda sem definição se o restaurante iria negociar com a representante, estavam os dois envolvidos num romance carnal bastante intenso. Zeca sentia-se jovem, mostrava vitalidade e seu ego, como da outra vez, não cabia mais em suas calças. Embora ainda com resquícios de trauma do relacionamento anterior, e ciente que não conhecia muito bem a história da Cecília, Zeca estava feliz.

Seu mundo, porém, foi abaixo quando entrou num shopping perto do restaurante. Zé Carlos frequentava a agência bancária de lá religiosamente no primeiro dia útil de cada mês, pois tratava das finanças do restaurante com o gerente do banco. Ao chegar perto da entrada da agência, deparou-se com a sua Cecília sentada em um banquinho aos beijos com um antigo amigo do Zeca. Paralisado, atônito, destroçado, humilhado...assim ficou o Zé Carlos com a cena.

Um filme passou pela cabeça do Zeca depois disso. “Burro, você não aprende?”, gritava ele consigo mesmo a toda hora. “Duas traições! O que eu fiz para merecer isso, meu Deus?", perguntava.

Zeca ficou um tempo sem ir trabalhar. Quando viu que estava no buraco, já sem vontade de viver, aceitou a orientação relutante de um amigo e foi procurar ajuda no psicólogo. Depois de muitas conversas, a cabeça do Zeca foi organizando as ideias, resignando-se com os acontecimentos. Voltou ao trabalho, embora não mais na função de gerente (com o tempo que ficou fora, o restaurante contratou outro funcionário; ao retornar, o Zeca ficou como maitrê), e foi tentar recomeçar a vida.

Depois de muito refletir sobre os acontecimentos em sua vida nos últimos anos, lembrou-se de Matilde. Sim, a mulher de olhos castanhos claros e cabelos lisos, que trabalhava na padaria. “Por que eu deixei a Matilde? Ela era feliz ao meu lado, e eu ao lado dela. Por que diabos eu fiz aquilo?”. Duas semanas depois Zeca foi procurar Matilde e lá estava ela. A padaria cresceu e virou um supermercado e Matilde era a gerente. Ela continuava morando na casa de antes. Embora o tempo tenha passado, Matilde continuava com a sua beleza que encantava Zeca.

Muitos pedidos de desculpas, muitas promessas, muitas lágrimas por parte do Zeca depois, Matilde aceitou Zé Carlos de volta. Ele agora era outro homem. Dizem até que a música Não sou mais disso foi inspirada no Zeca (Eu não sei se ela fez feitiço/ Macumba ou coisa assim/ Eu só sei que eu tô bem com ela/ A vida é melhor prá mim...).

Depois de todos esses acontecimentos, os dois viveram os restos de seus dias bem.

Matilde, porém, nunca relevou ao Zeca que as aparições de Débora e Cecília na vida dele não foram por acaso. Foi coisa da Matilde.

Um comentário:

  1. kkkkk muito bom!
    Rachei o bico de rir,Infelizmente conhecemos muitos "Zé'S Carlos" na vida.

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